quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

um objeto no céu

Eu ando sozinha na rua e nunca espero nada de extraordinário. Observo a capacidade de tudo se mover mesmo quando em mim tudo permanece parado. E também os detalhes das calçadas, das paredes, das portas e dos carros. Em uma cidade as pessoas valorizam a companhia, a conversa e o compartilhar das coisas. Quando se passa muito tempo no silêncio e na provocação de mudanças e de futuros desajeitados, é muito difícil voltar.
E no verão quando eram oito da noite, não tinha vento e nem luz na rua, e enquanto as crianças brincavam sem inalar fumaça nos seus pulmões e sem ao menos ter uma ideia do privilégio que era estar ali.
Por muito tempo moldei meu personagem e acreditava que se valorizasse minha aparência as pessoas poderiam ver o melhor em mim. Acreditei que se pudesse falar um pouco de cada livro ou assunto as pessoas acreditariam que eu estava sempre ocupada.
Acreditei que se conquistasse a pessoa certa eu poderia conhecer tudo que jamais imaginei merecer. Faz pouco mais de dois anos que me deparei com uma total falta de bom senso e realidade. Passei a me preocupar menos com o que eu falo e inutilmente moldei uma nuvem de total escassez. Falta da alma, falta de memória. 
De vez em quando me ocupo com situações inusitadas. Cartas de tarot, lugares mágicos, e passagens compradas... Aí eu acordo de madrugada com um vazio maior ainda e fora do meu corpo. 
O que tem de mais incrível na humanidade e o que eu mais admiro é a capacidade de acreditar, de não pensar muito e só fazer o que te falaram pra fazer, a capacidade de sentar em uma cadeira e lidar com papéis e reuniões, encontros, conversas e a capacidade de praticar exercícios, de contar os prazos e obedecer horários. 
Um fato é que não lembro da maioria das coisas que eu deveria me lembrar, e que eu ainda busco conselhos e respostas enquanto me afasto de tudo e me acho no direito de culpar todos. 
O meu egoísmo me assusta, minha tristeza me assusta, meu fingimento de que tô superando tudo e que o universo vai fazer algo por mim me assustam. E eu não queria sentir inspiração enquanto penso em desistir.